A segurança privada desempenha um papel imprescindível e, por isso, inquestionável na proteção de bens e pessoas em Portugal. No entanto, o setor tem enfrentado significativos desafios, intimamente relacionados com a contratação abaixo do preço de custo que leva ao aumento do trabalho não declarado, dumping social, e a consequente degradação dos serviços prestados e aumento da escassez acentuada de mão de obra disponível.
Em traços largos são estes os problemas que compõem o atual cenário do setor da segurança privada em Portugal. Repare-se que não se trata de uma atividade despicienda, considerando que, segundo o último relatório da DBK, é composto por um mercado na ordem dos 945 milhões de euros, em 2021, mais 3,4% que no ano anterior.
E há necessariamente de atentar que cerca de 246 milhões de euros do valor total de mercado dizem respeito a negócios realizados com o Estado ou entidades da esfera do Estado, ocupando este a posição do maior cliente de segurança privada em Portugal.
E logra tal lugar de destaque no pódio por motivos óbvios: a vigilância é essencial para o funcionamento de inúmeros serviços públicos, garantindo que tudo decorre com normalidade, dentro de apertadas baias da segurança e sem sobrecarregar as autoridades de segurança pública.
É, por isso, incompreensível que o Estado ignore em absoluto esta atividade. E ignora em múltiplos planos: na revisão da lei da segurança privada que deveria ter ocorrido em setembro de 2022, no contacto com os parceiros sociais e entidades representativas do setor, na ausência de convocação do Conselho da Segurança Privada que deveria ter ocorrido até abril de 2023, na inexistência de Relatório Anual da Segurança Privada relativo ao ano de 2022 e, agora (também) de 2023.
Mas, sem qualquer dúvida, o plano onde o Estado mais compromete o setor é na contratação pública, ao lançar concursos cujo preço base está abaixo do valor mínimo dos custos relacionados com o fator trabalho e ao não proceder a uma fiscalização eficaz.
Com efeito, tanto em 2021 como em 2022, através da consulta ao portal BASE.GOV constata-se a existência de mais de 30 contratos de prestação de serviços de vigilância adjudicados cujo valor de referência a uma portaria TDA é inferior ao custo alvitrado pela ACT relativo aos fatores relacionados com o trabalho em 2012.
É inegável que a busca incessante por contratos mais baratos compromete inequivocamente a qualidade dos serviços prestados e até mesmo a segurança dos envolvidos.
Esta (in)ação do Estado sedimenta os problemas estruturais desta atividade. É que graças à inércia tanto do Governo, em primeira linha, como das autoridades responsáveis pela fiscalização de práticas ilegais, as empresas de segurança privada incumpridora florescem em Portugal.
E são estas empresas que ao apresentar preços baixos (porque vendem com prejuízo) conseguem ganhar os concursos públicos onde reina a regra segundo a qual, grosso modo, deve-se adjudicar à entidade que apresente o preço mais baixo.
A solução parece tão óbvia como acessível: mudar esta regra do jogo.
O Estado deve intervir para estabelecer padrões mínimos para a adjudicação de contratos, garantindo que as empresas concorrem em igualdade de condições e que os preços não sejam reduzidos a ponto de comprometer a integridade do setor.
Para o efeito bastaria que impusesse a obrigação de demonstrar cabalmente a composição do preço apresentado pela empresa concorrente por rubricas, assegurando que não estariam a violar a proibição da venda com prejuízo prevista no artigo 5-A, n.º 2, al. b) da Lei da Segurança Privada.
Não se trata de criar mais regras para esta atividade. Na verdade, se há setor abundante em leis, decretos-lei, regulamentos, portarias e contratos coletivos é o da segurança privada. Trata-se de aplicar a lei vigente.
Todavia, o setor da segurança privada é dos que mais oferece resistência na aplicação das regras. Essa resistência patológica existe porque não há fiscalização por parte de quem deveria fiscalizar.
O setor da segurança privada revela um panorama complexo, mas de resolução alcançável encontrando-se Estado para isso.
Por Ana Reis Mota, Secretária-geral da AES – Associação das Empresas de Segurança